MEIO AO CAOS

meio ao caos

A quadra absorvia em grama o pouco do tanto que chovia

O rio invadia a casa, desnorteava a gente toda, empurrava o que alcançava, afundava um tanto

Nublava o sorriso, faltava da escola o menino, adiantava o percurso do solto que sumia, findava a poeira, pintava agressiva o que tocava a lamaceira

Mas sempre alguém chegava sem medo, de barco e coberta, levantando imposição na desordem fazendo escoamento

A mentira chegava carregada, fragilizada em maca, forçando a comoção, liderando a conversa no improviso de quem guarda a intenção,

Vinha disfarçada como cocaína que se torna a efêmera heroína daquele que foge sem trilha

No engano enrolava pra parar, deixava a gente como quem corre do pé, se boicota, deseja sem fé e espera estático toda manhã levar o dia pra frente

Mas sempre alguém chegava em verdade, destravando a porta, revelando toda história mal contada, soprando um estado de graça em nova métrica invertendo fila, pro último passar pra primeiro e com carvão fazer a labareda

No frio do dia de julho ela nascia, chorinho de seu tempo, chegava com todos seus direitos e dependências, igual a qualquer outro pequenino

Não sei por qual motivo sua morada não era a de conforto, na favela, seu banho era aquecido na panela

Seus primeiros passos tinham mais desequilíbrios, suas alegrias chegavam  quando havia o essencial, festa sempre celebrada na surpresa da doação

Logo o sonho era ter uma casa que o vento não entrasse pelas frestas e chuva deixar de ser preocupação

Mas sempre alguém chegava trazendo além da visão, a transformação no posicionamento daquele que não cede, firme no embate, pronto pro combate, recebendo encorajamento e mão estendida 

Todo janeiro o tempo concluía seu feito, batia no calendário determinado seu ano e de  repente tantos já tinham passado,

O sapato perdia o cadarço, a meia seu par, parava

O disco se desencontrava da vitrola pra girar e da agulha pra tocar, estancava

O vestido da festa deixava de rodar, se descolava da moda, desbotava

Mas sempre alguém chegava sem nostalgia, mostrando frutos e manhãs, um filho que crescia, pés descalços sentindo chão, um tanto que havia favorecido em algum canto, a vida aberta colocando oportunidades aos dias

O caos, a lacuna, uma falta tamanha, a margem

Vem determinado o esforço pela crença que segura a queda na corda bamba insegura, apesar da pedra, da queda, sempre alguém Sal da Terra.

Por Lu Dornaicka

 Texto Meio ao Caos

ALEGRIA DE CRIANÇA

Aos sete cheia de idéias, magrela, sem platéia

Em cada novidade, uma avenida repleta de luzes e entradas à espera

Toda visita uma alegria contente sem fim, nem intervalos

Lembro da boa sensação que me sorria

Combinei todas as cores, tomei banho cantando e voando,

pensando o que teria como brincadeira

Que música, qual doce, que vestido, quem viria de qualquer maneira

Curtindo todo antes na imaginação

Como quem mata a sede, abracei apertado

Quis a presença de quem estava

Brinquei até acabar a pilha, o refrigerante

Abaixarem as luzes e as vozes

A trança soltar

A fome me lembrar do brigadeiro que enfeitava

Me falar das horas o copo vazio, bolo cortado, bexiga estourada

E agora só quero buscar aquela que chegava sozinha, sem pressa antes da festa.

 Por Lu Dornaicka

Alegria em Criança

EXISTE ALGUÉM

existe-alguem

Molhou o cabelo, validou no espelho

Colocou na lancheira seu suco, seu pão

Seguiu com sapato em pés trocados

Foi com pé esquerdo o direito

Bateu a porta repleto de certezas, correu sozinho pra escola sem dar a mão

Inventou bons gestos na mãe que nunca existia, nem mesmo quando estava e fingia alguma atenção

Era aquela que não fazia o comentário, o favor, nem a refeição

Isolado pelas mentiras, inquieto, invejou o que era materno,  mendigou qualquer afeto

Sem conhecer seu itinerário, seus porquês e imaginário, foi o pequeno mal julgado e quase sempre tirado de cena com a mão

Enganou o que via no enfrentamento, teve um sorriso forçado, chorado

De repente era um homem, sem convite, de difícil trato, sem apetite

Em outro instante no cansaço de um ator constante, reservou seus papéis, guardou máscaras, negligenciou imagem de dureza, sem poder evitar se desarmou em menino, em silêncio esperando ajuda o bendito

Nesta hora um atento enxergava um outro naquele, como uma figura encontrada pela esperança em nuvem carregada

Abstraía então imperfeição e abraçava apertado a criança

Seria esse disposto, meio a multidão em preto e branco, alguém que ganha destaque de cor

Daquele que levanta um desmerecedor, cria o elo, convida pro jogo

Com poucas vogais,  embasado, alguém que inverte ordens de pensamentos superficiais, rasga  o discurso simplista aceito sem aprofundamento, nas esquinas, na preguiça

Daquele reprovado na matéria extra curricular “jeitinho brasileiro”, como quem não se deixa intimidar por tanta noite, cai sua estrela, feito luz que ultrapassa a janela e acende seu pedaço

Levanta bandeira de causa alheia, pesada de tanta gente em seu emblema

Alguns sendo por uns, uns se transformando em alguns, tantos no um a um.

Por Lu Dornaicka

Existe Alguém

NÃO ADIANTA

Post-Em-Palavras

A ansiedade é um relógio desgovernado que nos adianta pra chegamos antes da hora,

Desloca o que é lá da frente, o inexistente pro agora

Pés firmados em chão de madeira, o silêncio aumenta o volume do imaginário

Meio a espera vagarosa as batidas no peito dão bandeira

Momento futuro incerto, ponto cego rondando essa hora

Antecipação do depois em tentativas de controle

Passe e repasse ensaiando segurança

Antes do telefone tocar, um monólogo de arrasar

Antes de acontecer, acontecendo algo por aqui

Nos suaviza planejar presente, pra tê-lo mais do que momento ausente

Vem e ensina o que “um dia de cada vez” significa, uma criança que vive o que brinca sem entender outro tempo

Sente na pele

Mata a sede

Assiste o desenho

Cochila na rede…

Hoje é pra regular os ponteiros

Sem deixar o tempo ser invadido ou ir embora sem o desfrute de seu gosto ficar de fora.

 Por Lu Dornaicka

Não Adianta

QUE ATIRE A PRIMEIRA

que atire

Gostamos do igual, mas nos julgamos diferentes

Criticamos a cor, o formato, a maneira

Condenamos o vazio, a retórica, a asneira

Evitamos a pobreza, o incomum, o que falta beleza

Nosso ponto de vista,  avisa que é o melhor que se avista

Mas quando somos minoria na pele, no jeito, no discurso

Singular na dor, no pensamento, no gênero, na aparência

Desse lado da rua já não vemos mais a imagem distorcida, sem medida

Nessa calçada queremos a solidariedade, ter voz, ter abraço, ter alguém por nós

As vezes leão, outras defesa, as vezes suados de sol, outras sombra e água fresca, as vezes vítimas, outras perdoados,

Somos o outro fora de contexto, somos o outro com outras histórias e bagagens, somos o outro com ensinamentos assimilados de outra forma, somos o outro único

Uns no meio do luxo, outros sem paradeiro

 Uns se alimentam, outros rastejam

 Podíamos ter nascido lá, bem pra fora, por fora, mas estamos por aqui supondo

Interpretamos e definimos o que vemos com o que temos, mas sempre saberemos do todo um encarte, guardemos a sentença.

Por Lu Dornaicka

 Texto Que Atire a Primeira

PRIMEIRO EU

sem-rotulo

Se aproxima na tentativa. Em sua blusa bandeira desbotada perdendo força, no rosto marcado sinais de ausências e distrações, cabelo opaco, a intonação do que oferta implorando moeda ou qualquer coisa dada.

Quando esse pequeno chega, chega primeiro a precariedade, depois ele quem chega.

Perfume ventilado, diversos apetrechos notados, carro importado, roupa de corte invertido, marcação com valor investido estampado e a cor acetinada, determinando na intensidade e querer de quem usa ser bonita.

Meu caro ilustre onde chega, chega primeiro o cifrão, depois ele quem chega.

Diz que gosta do igual, no gênero,  agüenta intolerância, ironia, a ignorância, ser mais notado ou ignorado, se opõe no  visual, segue no salto, enfrenta os contrários.

Esse oposto onde chega, chega primeiro o que parece trocado, depois ele quem chega.

O dono, o proprietário, o chefe. O que dita as regras, comanda, manda e desmanda. Faz discípulos,  direciona, influencia, conduz e determina.

Aquele do cargo onde chega, chega primeiro o poder, depois ele quem chega.

Beleza sem argumentos e artifícios, sem retoques nos cílios, cabelo pra todo corte, rosto desenhado com toda proporção, perfeito corpo inteiro, seja rei, seja rainha.

O belo onde chega, chega primeiro a imagem, depois ele quem chega.

Um prato, uma fatia, um ingresso, um sozinho, sem parceria, sem companhia, o silêncio das palavras na sala, ninguém na hora vaga.

O solitário onde chega, chega primeiro a solidão, depois ele quem chega.

 Uma aparência, um sinal, uma preferência, uma característica, um emblema, um título, um perfil, uma deficiência, nos ultrapassam.

Um tanto nos alteram, nos moldam, estabelecem nossas relações, nos enganam, nos orientam, nos atrasam, nos revelam…

Quando chegamos, desconfiamos de quem somos.

 Outro dia encontrei um homem que nada me dizia sobre o que tinha. Sua aparência não chegava aos meus olhos, nada me indicava seus gostos, aptidões e segredos. Me aproximei de quem ele era, me achei diferente.

 Por Lu Dornaicka

 Texto Primeiro Eu

LIZ

liz

Na cadeira óleo lustrado acende a madeira

Tudo que vejo cintila

No opaco verniz derramado abre espaço

O vidro faz espelho, ganha imagem que clareia

O desbotado dá lugar ao clarão, aparece, incendeia

Só porque chegou de leve, como uma candeia

A tenho

No desenho do singelo,

No contorno do belo, exato e perfeito que me desmonta, me reinventa

A vejo

Na aurora,

Vão de porta semi aberta,

Fresta criada, feixe de luz

Tal e qual seu significado, a percebo no que é delicado

Borboleta, pétala e gota

Cílios e arco-íris,

Luz amena, baixo sol, baixo farol,

No silêncio, no suave, em pele de pêssego,

Seja naquela nota do violão, seja em bolinhas de sabão,

Quando joaninha faz o adereço da folha,

Quando pelúcia

Quando Natal

Quando nuvem

Quando sorriso

Quando cristal

Agora sou toda travesseiro,  roupas pequenas, relógio, sono, amor de entrega, rendição

Em seu olhar um tanto do sagrado me paralisa

Concedo minha mão, minha direção, o que posso ou invento, minha oração

Faz luzir, alcança o céu, lança cor, permite o gosto

Resplandece Liz.

 Por Lu Dornaicka

 Texto LIZ 

 

EM TODOS OS CONTEXTOS

Em Todos os Contextos

No barraco tinta azul lavava a madeira. No quadro o retrato pendurava a família inteira. Panela vazia, palavras erradas, roupas s

urradas, choro perdido de criança não assistida. Não havia o pouco, a gota, nem a migalhinha. Havia Deus e todo jeito aparecia.

 Um travesseiro na cama de dois, na copa em mesa larga, uma xícara e o som alto do relógio andava a rotina, não se discutia o melhor lugar do que existia, nem a educação do filho que não tinha. Havia Deus e todo sentido aparecia.

 Falou em verdade o que todos duvidaram. Convidou para sua casa supondo o amigo que se era. Não houve furto, nem  abuso, no apelo condenação.  Queria o bastante, sentia amor e inesperada traição. Foi o merecedor sem medalhas, aquele que não foi dada a recompensa. Não havia justiça, havia Deus e toda paz aparecia.

 No corpo pesava um limite, impedia de se ter o mesmo ritmo, um tanto não podia, sempre notado primeiro o destoante. Não  havia toda facilidade, havia Deus e toda  segurança aparecia.

 O sono interminável, a vontade inerte, o olhar pra baixo e a força sem açúcar. Não havia alegria, de repente havia Deus e toda vida aparecia.

O gesto abraçava José, o favor era pro vizinho, o chocolate com bilhete era levado, a surpresa dedicada a Teresa, no convite seu nome não se desenhava, não havia quem dele se lembrasse, na palma de Sua mão sim. Quando não havia mais ninguém, havia Deus e todo amor aparecia.

 Acabou. Foi embora resolvido, sem notícias, sem identidade. Na bagagem levava algo que faltava ao que ficava. Não deixou explicação de como viver os domingos, tão pouco de como resolver as questões, deixar de cuidar, esvaziar sentimento e dormir sozinha. O tempo mexia, encurtava, ensinava, curava. Não havia mais relacionamento naquela hora, mas o caminho, havia Deus e toda esperança aparecia.

 Pra preencher, era comida doce, salgada, agridoce. Era compra no shopping, virtual, no camelô, no brechó, na Dona Margô. Era um vício, destempero, todo exagero, uma fuga, devaneio. Não havia equilíbrio, em algum momento via-se que havia Deus e todo preenchimento acontecia.

 Sem conversas, encontros interrompidos. Voz silenciada, imagem de foto, lembrança saudosa. Tudo que era dele ficava sem ele. Subitamente, tudo paralisado, acabado, momento suspenso. Não havia mais uma vida, havia Deus e todo consolo  aparecia.

 O grau foi aumentado. A chuva levava os convidados. A moda ainda não cabia. Não houve cura no dia. O esperado não chegou na hora. A realização foi protelada. Não havia o desejado, havia Deus e toda graça aparecia.

 Não se casou, nem se formou. Não tinha emprego estável, casa própria, vida contada que todo mundo tem. Não tinha carro, nem neném. Não tinha viajado mundo a fora, nem falava inglês. Não usava roupa moderna, nem perfume francês. Não tinha Tablet, nem Iphone. Naquela idade ainda sem aquilo, sem o quilo das coisas. Não tinha, não usava, não comprava,  não fazia… Verbos  querendo se passar pelo verbo Ser, fazendo se sentir menor, em dúvida, em insegurança. Não havia mais quem se era, pra revelar havia Deus e toda certeza aparecia.

 “A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na tua fraqueza.”

Por Lu Dornaicka

 Texto Em Todos os Contextos

BRASIL

O exuberante em negociação, enquadra em retrato nossa Pátria amada, rasurada, valente

Salve nossa arara da extinção, imagem desse azul que voa mas não se socorre da contravenção e nos remete ao país da contradição, país que sempre nos espera

 Desembarco no atropelo legitimado pelo aconchego territorial

Língua portuguesa no auto falante ecoa forte, emociona estar lado a lado com toda minha gente

Comemoram com as mesmas canções, falam meus jargões, gestos que trago não os agride, chego ao meu lugar de pertencimento

Quero a vista da minha rua contrariada em quadras desniveladas

Pela janela, cabelo opaco, gírias, delicadeza, reboque em paredes, capa de jornal insistindo a vergonha nacional

Voto secreto? Absolvição da deputada selando a imagem do Congresso

Corrupção escancarada, grudada, banalizada

Dinheiro público não destinado, assalta nosso saco de feijão, fragiliza a vida, lucram alguns representantes deles mesmos

Lembro daquele que desperta de madrugada, vai de trem, de ônibus, de guarda-chuva, passa pela roleta, trabalha muito; ainda conserta, vende doce, vende caixa de madeira pra abrigar cachorro de qualquer maneira, comparece pra ajudar, faz o churrasco, agradece, sorri pelo que tem, pelo que espera e não vem

Confia alguns instantes em quem elege e no momento seguinte em quase ninguém

Esse jeitinho do troco errado, acordo de fachada, valor abusivo, igreja com intenção lucrativa, recibo alterado, promessa não cumprida, imagem inventada, choro no improviso, oportunismo, muda alguma coisa na gente

Hábito cultural danoso que se apóia no “todo mundo faz”

Não em vão que inventaram a contramão, nos ensinaram a remar contra a maré e nos foi dado de graça o dom da fé

Por isso aqui ajudamos sem troca, dividimos o pão, invadimos espaços perigosos pela vida, abraçamos  causas não diretamente nossas, doamos, quantas vezes fazemos o papel do Estado sem querer e formamos também um país solidário na criatividade nossa implacável

Sabemos rir de verdade, ir fundo, sem deixar a vida ser levada, sabemos pegá-la pelo cangote

Deve ser por isso que quando toca o Hino Nacional, meu coração reconsidera tudo que o Brasil nos tira e deixa invadir a sensação de todos brasileiros estarem do mesmo lado como um exército fortalecido sem inimigo o bastante.

Por Lu Dornaicka

 Texto Brasil

ELA SOLIDÁRIA

Recolheu sua barraca Mariá, juntou seus trocados e atacados

Carregada sem incômodo, foi em frente, foi de ônibus…

Com sua blusa cobriu em silêncio o homem descalço cheio de percalços

Como se não houvesse alternativa, aqueceu

Com tato, tirou inseto das costas do passageiro, sem impasse e que ele notasse

Como se o bicho fosse um seu a incomodar, o mandou pra outro canto, espantou

Já na rua na contra mão, jogou papel caído no lixo

Como se a rua fosse seu jardim, apanhou

Recolheu jornal do vizinho, como um gesto normal “facinho”, colocou entre o vão do portão

Como se o do lado fosse seu, facilitou

Todo seu compartilhado, todo do outro pro outro vigiado

Como se o aprendido e adquirido, do que vê ou do que é visto, tivesse implícito a contribuição, cedeu

Teve o dia que deu o brinquedo e teve o abraço que sentiu em segredo

Teve o dia que levou arroz, trouxe feijão, levou um tanto e trouxe dois

Teve outro que levou tudo e não foi notada, nem percebeu a ignorada

A move no anonimato, a crença, o espontâneo do hábito, toda compaixão

Impulsiona aquele que passa ao novo ato na sequência

Força a engrenagem gesto solidário, suave, revolucionário.

 Por Lu Dornaicka

Ela Solidária