
No barraco tinta azul lavava a madeira. No quadro o retrato pendurava a família inteira. Panela vazia, palavras erradas, roupas s
urradas, choro perdido de criança não assistida. Não havia o pouco, a gota, nem a migalhinha. Havia Deus e todo jeito aparecia.
Um travesseiro na cama de dois, na copa em mesa larga, uma xícara e o som alto do relógio andava a rotina, não se discutia o melhor lugar do que existia, nem a educação do filho que não tinha. Havia Deus e todo sentido aparecia.
Falou em verdade o que todos duvidaram. Convidou para sua casa supondo o amigo que se era. Não houve furto, nem abuso, no apelo condenação. Queria o bastante, sentia amor e inesperada traição. Foi o merecedor sem medalhas, aquele que não foi dada a recompensa. Não havia justiça, havia Deus e toda paz aparecia.
No corpo pesava um limite, impedia de se ter o mesmo ritmo, um tanto não podia, sempre notado primeiro o destoante. Não havia toda facilidade, havia Deus e toda segurança aparecia.
O sono interminável, a vontade inerte, o olhar pra baixo e a força sem açúcar. Não havia alegria, de repente havia Deus e toda vida aparecia.
O gesto abraçava José, o favor era pro vizinho, o chocolate com bilhete era levado, a surpresa dedicada a Teresa, no convite seu nome não se desenhava, não havia quem dele se lembrasse, na palma de Sua mão sim. Quando não havia mais ninguém, havia Deus e todo amor aparecia.
Acabou. Foi embora resolvido, sem notícias, sem identidade. Na bagagem levava algo que faltava ao que ficava. Não deixou explicação de como viver os domingos, tão pouco de como resolver as questões, deixar de cuidar, esvaziar sentimento e dormir sozinha. O tempo mexia, encurtava, ensinava, curava. Não havia mais relacionamento naquela hora, mas o caminho, havia Deus e toda esperança aparecia.
Pra preencher, era comida doce, salgada, agridoce. Era compra no shopping, virtual, no camelô, no brechó, na Dona Margô. Era um vício, destempero, todo exagero, uma fuga, devaneio. Não havia equilíbrio, em algum momento via-se que havia Deus e todo preenchimento acontecia.
Sem conversas, encontros interrompidos. Voz silenciada, imagem de foto, lembrança saudosa. Tudo que era dele ficava sem ele. Subitamente, tudo paralisado, acabado, momento suspenso. Não havia mais uma vida, havia Deus e todo consolo aparecia.
O grau foi aumentado. A chuva levava os convidados. A moda ainda não cabia. Não houve cura no dia. O esperado não chegou na hora. A realização foi protelada. Não havia o desejado, havia Deus e toda graça aparecia.
Não se casou, nem se formou. Não tinha emprego estável, casa própria, vida contada que todo mundo tem. Não tinha carro, nem neném. Não tinha viajado mundo a fora, nem falava inglês. Não usava roupa moderna, nem perfume francês. Não tinha Tablet, nem Iphone. Naquela idade ainda sem aquilo, sem o quilo das coisas. Não tinha, não usava, não comprava, não fazia… Verbos querendo se passar pelo verbo Ser, fazendo se sentir menor, em dúvida, em insegurança. Não havia mais quem se era, pra revelar havia Deus e toda certeza aparecia.
“A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na tua fraqueza.”
Por Lu Dornaicka
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