Elza

Os passos dos dias passados. O guarda-chuva acessório comum entre os homens. Nas ruas de espaços vagos, o tempo corria no ritmo de um vagão seguindo sem pressa. No relógio não corriam os ponteiros, batiam na cadência, segundo a segundo a paciência aliada.

Esperava nos dias que vinham à imagem dos meus castelos, dos lugares coloridos de meus pensamentos distantes. Por lá eu guardava o que era meu. Os caminhos existiam com todo seu tracejado perfeito, mas esses eu só acharia se conseguisse seguir com o belo que em mim havia.

 Era-me dado o amor que se podia e eu o aceitava, como aceitava a falta de jeito e palavras tortas que me colocavam em pé. Pronta antes da idade, obediente a regras que não entendia, fui adiante. Posso dizer que os ensinamentos, o bem querer da senhora que morava ao lado da minha casa, como a admiração de meu pai, deram altura aos meus sonhos, reforçavam a imagem daquela que eu era e queria ser. Esse pai me ensinava o que era ir adiante contrariando as adversidades. Meio a grave doença, montou consultório para exercer a profissão que tanto amava e o fez o tanto que pôde. Logo minha responsabilidade familiar foi ganhando dimensões e aparecendo a solidariedade ao redor.

 Como quem quer colocar uma letra no lugar, juntar duas peças, afinar o instrumento, responder indagação, um amigo de meu pai quis me apresentar ao espanhol, pensando casar minha vida. O estrangeiro no seu universo, de longe me avistava. Me atraía a ideia, imaginava seu jeito, sua fala atrapalhada e tudo o que o acompanhava.

A vizinha italiana, conselheira e sempre carinhosa, conseguiu um emprego para mim, bem próximo daquele que eu já imaginava. Do outro lado da rua ele pensava no pretexto. Perguntou para telefonista sobre mim e assim aconteceu o primeiro encontro com o pai dos meus filhos e meu grande aliado.

 Minha mãe tinha suas dores, seus valores, verdades… Sua história. Nas divergências das ideias, discussões apareciam, como também a promessa de que meus filhos não vivenciariam a desavença. Querendo ela para mim, um cotidiano mais parecido com o que sonhava, não cabia esse relacionamento de poucos recursos e realizações, espelho de si, sua sala de estar.

 Com amor bastante, me casei. Sem grandes pretensões, contornava minha casa, a lotava de frestas de luz, nos tons de um desenho infantil, com filhos, portões, sol no alto, verde grama.  Mas a realidade trazia chuva para dentro de casa. Casa de minha mãe onde fomos morar. Lembro que me visitava o pensamento de querer ficar anos sem acordar, como quem quer ultrapassar dificuldades sem saber o caminho, sabendo esperar.

Os filhos nasceram trazendo momentos de grande felicidade. A força aparecia, ganhava novos motivos e necessidades.

Paciente, meu marido suportava os gestos indigestos como quem compreende a negativa e avista um barco no atlântico ou a beleza de uma dança espanhola. Nada reclamava, superava e consigo me levava. Aos poucos foi revelando seu bom caráter para minha mãe, que passou a admirá-lo e até fazer sua defesa.  Sem alterar seu jeito, não cedeu espaço para mágoa. Sem alterar seu jeito, ganhou o novo jeito dela. Sem alterar seu jeito, me fez querê-lo para sempre por perto.

 Nesse” lado a lado,” economizamos o bastante, alugamos um apartamento. Entramos em novo espaço, iniciamos outro tempo, novos passos. Posso sentir ainda, as flores que eu avistava, o sol que me visitava, as cores em tudo mais forte, mais viva. Cheios de entusiasmo, vivemos um momento de musicalidade e harmonia.

 Sonhos realizados tive muitos: meus filhos, meus netos e tanta gente especial compartilhando vida comigo. Sonhos, hoje posso dizer que os mais valiosos estão ligados essencialmente ao meu José Luiz, meu parceiro de quase 50 anos. Li outro dia que “casamento não é para ver se dará certo, mas fazer dar certo”, essa sabedoria tem muito de doação, de palavras trocadas. Mas nada é mais importante do que o companheirismo, a mão de um ou do outro, que se estende, levanta, enxuga, dirige, afaga, segura, se une e vai junto ou está perto.

Quando penso em minha vida, construo uma ponte firme num dia pleno. Entendo a parceria firmada entre Deus e alguma verdade que encontrou em mim. Sigo a travessia iluminada.

 Por Lu Dornaicka – Elza

Para minha tia com todo meu amor