A DOR DA ALMA

Baseado em uma história real

Quando o céu nublava eu entrava em mim. O frio do vento trazia um tipo de força que me deslocava do tempo, me ausentava e arrepiava uma dor incrível que não cabia em mim, mas eu a escondia mesmo assim.

Arrumava pretexto, puxava o fôlego e me apresentava forte. Me camuflava, me escondia porque não via que algo ou alguém poderia desfazer o que eu sentia. As vezes até imaginava outras realidades na tentativa de ultrapassar o que me paralisava, mas logo tudo se tornava distante, eu descrente ou sem forças para avançar. Toda e qualquer dificuldade de sair daquele estado se tornava um pesado e imenso obstáculo.  De repente não era só o frio que me entristecia, eu já não sabia qual era o gatilho que me desmontava, tirava o sentido e o sabor de tudo.  O melhor lugar era a solidão como tentativa de vencê-la.

Quando a porta do meu quarto fechava me tornava um com o escuro, o chão me abrigava e Deus me ouvia. Lugar que sempre queria estar, era esse o meu lugar de fala, de pedir para Deus sentir o que eu sentia. Era como se somente Ele me olhando de dentro para fora pudesse compreender esse meu secreto. Compartilhava minha dor muitas vezes em silêncio, e no final como um milagre me sentia confortado.  Foi assim que se fortaleceu nossa amizade, que deixei de ser sozinho com o que sentia. Quando tudo apertava demais, lembrava de quem me conduzia e que estava caminhando para em algum lugar deixar essa dor ir embora. Voltei a acreditar nos passos que dava mesmo sem saber onde me levaria. Melhorei um tanto, avancei, busquei ajuda profissional para o outro tanto e foi como se tivesse me libertado de mim, ganhado leveza e nova vida sem mais perder na luta com os meus invernos. Foi assim que sobrevivi e venci a dor da alma.

 Existe a motivação clara de uma dor, com nome e sobrenome, mas existe aquela que desponta sem deixar rastro para a compreensão. Eu consegui ultrapassar essa dor,  mas sei daqueles que não a suportaram, não a mostraram, não souberam como vencê-la, não encontraram refúgio e diante de todos esses nãos foram vencidos. Eu sinto muito, muito mesmo. Queria ter dito:

Não acreditar numa saída, querer algo ou alguém de volta para aliviar a dor, não é única solução em um mundo em movimento e repleto de possibilidades. A solução para essa dor não está com vocês, por isso não enxergam nada, só esse vazio sem fim. Se deem uma única chance, a de serem conduzidos. Falem, busquem apoio profissional, de alguém que confiem, não sofram calados, existem alternativas para vida e quem saiba aliviar a dor profunda, mesmo que esteja ligada a uma perda grande, ou seja incompreendida. Muitos já passaram por essa dor e encontraram um caminho de vida. Vocês não estão só! 

Me solidarizo com aqueles que perderam pessoas queridas nesse contexto e se culpam, sei que queriam ter dito, ter feito.  Há uma complexidade imensa em torno de emoções e decisões que fogem do controle de qualquer outra pessoa. Eu mesmo antes de falar com Deus e buscar ajuda, escondia minha dor e por isso não tinha como ser ajudado, se nem eu conhecia muito bem a causa do que me afligia e guardava minha dor com perspicácia, como alguém poderia se responsabilizar por descobrir o que eu enterrava? Não se condenem, vocês amaram, algo saiu do controle e a direção não estava com vocês.  Quem vai não resolve a dor, a transfere. Quem fica ganha dor, culpa e saudade.

A família que constituímos nunca deixa de existir, mesmo após a morte. Jó perdeu tudo o que tinha, seus filhos e suas posses. Depois, ele que perdeu dentre outros animais sete mil ovelhas, conquistou quatorze mil, e tudo mais que tinha Deus a ele deu em dobro. Perdeu seus dez filhos e teve mais dez, porque os outros dez que formariam o dobro nunca deixaram de ser seus filhos, só estavam em outro lugar. Não deixamos de existir, há uma continuidade…

Deus é o Senhor da vida, aqui está e sempre lutará ao nosso lado.

 Por Lu Dornaicka – A DOR DA ALMA

Para Luisa com todo meu amor

Setembro Amarelo

Campanha brasileira de prevenção ao suicídio